A páscoa chegou. Melhor do que os sinos, as multidões alegres a anunciam. Sozinho e melancólico, afasto-me da multidão. Penso no filho do Homem que nasceu e viveu no desnudamento, e depois morreu crucificado. Penso naquele Fogo Divino que o Espírito acendeu numa pequena aldeia síria e que sobreviveu aos séculos e marcou todas as civilizações.
No parque deserto, um homem, também sozinho, parecia estar à minha espera. Sentou-se ao meu lado e começou a desenhar na areia figuras misteriosas. Suas vestes eram modestas, mas dele emanava uma grandeza inexprimível.
- O senhor é talvez um estrangeiro nesta cidade? Perguntei-lhe com simpatia.
- Eu sou um estrangeiro nesta cidade e em qualquer outra cidade.
- Mas nestes dias festivos, o estrangeiro esquece a amargura do exílio e se deixa consolar pela afeição dos corações abertos.
- Eu sou um estrangeiro nestes dias mais ainda do que nos outros.
E ele dirigiu ao céu cinzento um olhar sonhador como se estivesse procurando no além uma pátria desconhecida.
Observei-o novamente, e disse:
- Parece-me que o senhor está em necessidade. Não aceitaria minha ajuda?
- Sim, respondeu com tristeza, estou em necessidade, mas não preciso de dinheiro.
- E de que precisa?
- Preciso de um abrigo. Preciso de um lugar onde descansar a cabeça.
- Mas já que lhe estou dando dinheiro, poderá alojar-se num hotel.
- Já fui a todos os hotéis: ninguém me aceitou. Já bati a todas as portas sem encontrar um amigo.
- Venha então comigo. Passará a noite em minha casa.
- Mil vezes já bati à tua porta; mas nunca me abriste. E agora, se tu soubesses quem sou, não me convidarias.
- E quem é o senhor?
- Eu sou a Revolução que derruba o que os séculos estabeleceram. Sou o furacão que arranca as raízes dessecadas. Sou aquele que traz ao mundo a justiça e não a piedade.
Disse isto e levantou-se. Sua estatura era alta, e sua voz, profunda como a noite, evocava o tumulto de tempestades longínquas.
Depois, sua fisionomia iluminou-se. Estendeu os braços, e vi em suas mãos traços de pregos. Joguei-me aos seus pés, balbuciando:
- Jesus, o Nazareno!...
E ouvi-o dizer:
- O mundo celebra meu nome e as tradições que os séculos teceram em volta de meu nome; mas eu permaneço um estrangeiro, percorrendo o universo e atravessando os séculos sem encontrar, entre os povos, quem compreenda minha verdade. “As raposas tem covis, e aves do céu tem ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.”
Quando ergui os olhos, nada mais vi senão uma coluna de incenso; e ouvi um eco de trovoada vindo da eternidade.
Gibran Khalil Gibran
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