Convidamos a todos ao amor, à fraternidade, ao olhar interior, à paz, alegria e aos sorrisos vastos e fartos como cócegas de luz à lucidez do viver! Que Jesus os abençoe!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A presença invisível


A páscoa chegou. Melhor do que os sinos, as multidões alegres a anunciam. Sozinho e melancólico, afasto-me da multidão. Penso no filho do Homem que nasceu e viveu no desnudamento, e depois morreu crucificado. Penso naquele Fogo Divino que o Espírito acendeu numa pequena aldeia síria e que sobreviveu aos séculos e marcou todas as civilizações.



No parque deserto, um homem, também sozinho, parecia estar à minha espera. Sentou-se ao meu lado e começou a desenhar na areia figuras misteriosas. Suas vestes eram modestas, mas dele emanava uma grandeza inexprimível.


- O senhor é talvez um estrangeiro nesta cidade? Perguntei-lhe com simpatia.


- Eu sou um estrangeiro nesta cidade e em qualquer outra cidade.


- Mas nestes dias festivos, o estrangeiro esquece a amargura do exílio e se deixa consolar pela afeição dos corações abertos.


- Eu sou um estrangeiro nestes dias mais ainda do que nos outros.


E ele dirigiu ao céu cinzento um olhar sonhador como se estivesse procurando no além uma pátria desconhecida.


Observei-o novamente, e disse:


- Parece-me que o senhor está em necessidade. Não aceitaria minha ajuda?


- Sim, respondeu com tristeza, estou em necessidade, mas não preciso de dinheiro.


- E de que precisa?


- Preciso de um abrigo. Preciso de um lugar onde descansar a cabeça.


- Mas já que lhe estou dando dinheiro, poderá alojar-se num hotel.


- Já fui a todos os hotéis: ninguém me aceitou. Já bati a todas as portas sem encontrar um amigo.


- Venha então comigo. Passará a noite em minha casa.


- Mil vezes já bati à tua porta; mas nunca me abriste. E agora, se tu soubesses quem sou, não me convidarias.


- E quem é o senhor?


- Eu sou a Revolução que derruba o que os séculos estabeleceram. Sou o furacão que arranca as raízes dessecadas. Sou aquele que traz ao mundo a justiça e não a piedade.


Disse isto e levantou-se. Sua estatura era alta, e sua voz, profunda como a noite, evocava o tumulto de tempestades longínquas.


Depois, sua fisionomia iluminou-se. Estendeu os braços, e vi em suas mãos traços de pregos. Joguei-me aos seus pés, balbuciando:


- Jesus, o Nazareno!...


E ouvi-o dizer:


- O mundo celebra meu nome e as tradições que os séculos teceram em volta de meu nome; mas eu permaneço um estrangeiro, percorrendo o universo e atravessando os séculos sem encontrar, entre os povos, quem compreenda minha verdade. “As raposas tem covis, e aves do céu tem ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.”


Quando ergui os olhos, nada mais vi senão uma coluna de incenso; e ouvi um eco de trovoada vindo da eternidade.




Gibran Khalil Gibran

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