Convidamos a todos ao amor, à fraternidade, ao olhar interior, à paz, alegria e aos sorrisos vastos e fartos como cócegas de luz à lucidez do viver! Que Jesus os abençoe!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Dois senhores


Um dia, falaram de certo santo a um rei dos israelitas, e este o procurou e pediu-lhe que fosse viver na corte e fazer-lhe companhia. “É um convite muito agradável”, respondeu o santo, “mas suponhamos que entreis um dia no palácio e me encontreis abusando de vossa filha, que faríeis?”
O rei encolerizou-se e gritou: “Oh, miserável, tu me insultas até ao dizeres semelhante coisa!”
E o santo respondeu: “Eu já tenho um generoso Senhor. Quando ele me vê cometer setenta ofensas, não me hostiliza, não me repele, não me recusa o pão de cada dia. Por que eu deixaria sua corte para viver na corte de um rei que se enfurece contra mim antes que eu tenha cometido uma só ofensa?” Então, deixou o rei e foi-se embora.
(Al-Kaliubi)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A presença invisível


A páscoa chegou. Melhor do que os sinos, as multidões alegres a anunciam. Sozinho e melancólico, afasto-me da multidão. Penso no filho do Homem que nasceu e viveu no desnudamento, e depois morreu crucificado. Penso naquele Fogo Divino que o Espírito acendeu numa pequena aldeia síria e que sobreviveu aos séculos e marcou todas as civilizações.



No parque deserto, um homem, também sozinho, parecia estar à minha espera. Sentou-se ao meu lado e começou a desenhar na areia figuras misteriosas. Suas vestes eram modestas, mas dele emanava uma grandeza inexprimível.


- O senhor é talvez um estrangeiro nesta cidade? Perguntei-lhe com simpatia.


- Eu sou um estrangeiro nesta cidade e em qualquer outra cidade.


- Mas nestes dias festivos, o estrangeiro esquece a amargura do exílio e se deixa consolar pela afeição dos corações abertos.


- Eu sou um estrangeiro nestes dias mais ainda do que nos outros.


E ele dirigiu ao céu cinzento um olhar sonhador como se estivesse procurando no além uma pátria desconhecida.


Observei-o novamente, e disse:


- Parece-me que o senhor está em necessidade. Não aceitaria minha ajuda?


- Sim, respondeu com tristeza, estou em necessidade, mas não preciso de dinheiro.


- E de que precisa?


- Preciso de um abrigo. Preciso de um lugar onde descansar a cabeça.


- Mas já que lhe estou dando dinheiro, poderá alojar-se num hotel.


- Já fui a todos os hotéis: ninguém me aceitou. Já bati a todas as portas sem encontrar um amigo.


- Venha então comigo. Passará a noite em minha casa.


- Mil vezes já bati à tua porta; mas nunca me abriste. E agora, se tu soubesses quem sou, não me convidarias.


- E quem é o senhor?


- Eu sou a Revolução que derruba o que os séculos estabeleceram. Sou o furacão que arranca as raízes dessecadas. Sou aquele que traz ao mundo a justiça e não a piedade.


Disse isto e levantou-se. Sua estatura era alta, e sua voz, profunda como a noite, evocava o tumulto de tempestades longínquas.


Depois, sua fisionomia iluminou-se. Estendeu os braços, e vi em suas mãos traços de pregos. Joguei-me aos seus pés, balbuciando:


- Jesus, o Nazareno!...


E ouvi-o dizer:


- O mundo celebra meu nome e as tradições que os séculos teceram em volta de meu nome; mas eu permaneço um estrangeiro, percorrendo o universo e atravessando os séculos sem encontrar, entre os povos, quem compreenda minha verdade. “As raposas tem covis, e aves do céu tem ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.”


Quando ergui os olhos, nada mais vi senão uma coluna de incenso; e ouvi um eco de trovoada vindo da eternidade.




Gibran Khalil Gibran